por Amanda Melo e Renata Santos
Eles surgiram do nada. Desde meados do ano passado, a Conde
da Boa Vista encheu-se de pessoas vindas diretamente do Senegal, país da Africa
ocidental. São homens, mulheres e adolescentes, a pele negra, as feições duras e atentas. Uma
coisa é certa: eles não estão aqui para brincadeira. Os senegaleses vieram ao Recife para
trabalhar e, com esse objetivo em vista, não se deixam distrair por nenhum atrativo da
nossa bela terra.
Ao caminhar pelas calçadas da Boa Vista, o caminhante
recifense não pode deixar de ter sua atenção atraída pelos reluzentes objetos vendidos nas
barracas desses estrangeiros. São pulseiras, anéis e colares de todas as cores, além de
relógios e outras bijouterias produzidas visando ao gosto eclético da população e com
preços que são uma verdadeira barganha. Mas, se além de atraído pelas cores, este
caminhante se sentir impelido a adquirir uma dessas peças, precisa driblar a falta de
comunicação dos ambulantes senegaleses. A seriedade é tanta que quase constrange. Eles
ficam sentados, olhar baixo, aparentando estar divagando, quando na verdade examinam
atentamente o comprador. Se este caminhante for persistente, talvez conseguirá ganhar
a confiança de um dos vendedores, que o oferecerá um meio sorriso de satisfação
pela venda efetivada.
Entrevistar os senegaleses também não é tarefa que se
subestime. Antes de ter qualquer pergunta sua respondida, o repórter precisa responder a
vários questionamentos dos vendedores. Sobre o que se trata a reportagem, porque o
interesse e onde sairá a matéria são exemplos de perguntas as quais a equipe foi
submetida.Fotos também são terminantemente proibidas. Um deles, Pablo, 35 anos, foi logo afirmando que não percebia qualquer
problema em se trabalhar na Conde da Boa Vista. Diplomático, afirmou que escolheu o
local pela grande movimentação de consumidores e que até então, não se deparou
com nenhum problema de relacionamento. Como que para comprovar sua teoria de
amigo dos recifenses, um ambulante nativo interrompe a entrevista e grita um adendo
ao senegalês: “ o único problema é a carrocinha, ne?”. O incentivo do amigo parece
desmanchar a máscara de pablo. Ele concorda, ainda que com relutância, que a
fiscalização da DIRCON pode ser considerada, sim, uma pedra no sapato.
Já Armando, outro senegalês entrevistado afirmou que se
preocupa pouco com a fiscalização: “Vim pra cá por causa da movimentação, com a
carrocinha naõ tenho problema, não. Quando eles chegam, é só tirar minhas coisas
e sair. Não me sinto prejudicado”. Fala, num tom de voz grave e cheio de
seriedade. Para falar com Armando, foi preciso passar primeiro pelo crivo de confiança da sua
namorada, que foi quem deu passe livre para que a entrevista acontecesse.
Para os ambulantes daqui, a presença dos senegaleses não é,
de forma alguma, um incômodo. Zé Ferreira, 39 anos, por exemplo, afirma que um
dos motivos para não se preocupar com a presença dos senegaleses em ‘sua área’ é
que, segundo ele, a mercadoria dos estrangeiros é de má qualidade. “ Esses senegaleses que
apareceram aqui, os clientes reclamam muito da mercadoria deles, falam que não é boa, e
que não tem garantia. No caso da minha mercadoria, eu sei que vai deteriorar, mas eu
digo, dou o prazo e tem garantia. Eles mentem, dizem que vai durar um determinado
tempo e, às vezes, o negócio já tá ruim no mesmo dia. Quando os clientes voltam pra
tentar trocar o produto, eles fogem, ficam jogando a culpa um no outro”, afirmou. Uma
consumidora que passava perto, parou e enfatizou que, os clientes que compram a mercadoria
já sabem que o produto é ruim, por que isso já é de conhecimento geral.
Quando perguntado a respeito da relação que tem com os estrangeiros, Zé afirma: “Com a
gente, os senegaleses tem uma relação amistosa, fica cada um na sua e não tem problema não”.
O fato é que, vendedores de produtos de má qualidade ou não,
os senegaleses já possuem espaço cativo nas calçadas da Boa Vista. Os recifenses já se
naturalizaram com a presença destes estrangeiros e simpatia, parece, não é pré-requisito
pra sucesso nas vendas.
Nota:
Em depoimento, o Consulado
Senegalês do Recife afirmou que não possui levantamentos referentes à
quantidade de senegaleses que praticam o comércio informal na Conde da Boa
Vista , visto que esses estão em Pernambuco ilegalmente. Já a Polícia Federal
afirmou que um levantamento para calcular o número de estrangeiros em
determinado local teria de abranger todo o local e não apenas uma área,
portanto é impossível uma estimativa a respeito do número de senegaleses
instalados na Avenida.
0 comentários:
Postar um comentário