terça-feira, 9 de abril de 2013

Redescobrindo a Boa Vista

II - Das maxambombas aos bondes elétricos  

por Marcela de Aquino


             
                          Maxambomba em frente à Faculdade de Direito do Recife


Naqueles tempos do farfalhar das saias e vestidos, da gravata e do paletó ilustre, a Boa Vista se modernizava com os primeiros trens urbanos da América Latina a circular em suas pontes e ruas, e  era parte central de uma cidade cosmopolita, que abrigava, principalmente, italianos e judeus.   

Com os aterros promovidos para a expansão do bairro e a construção da ponte de ferro, o núcleo principal da povoação e da convivência entre os habitantes passa a ser o Largo da Conceição, onde se encontra atualmente a Praça Maciel Pinheiro. A fonte em mármore que fica no meio da praça foi erguida em comemoração ao fim da guerra do Paraguai. Esculpida em Lisboa por Antônio Moreira Ratto, ela representa uma índia em seu topo, simbolizando a exaltação da raça primitiva do continente americano.

Nessa praça se ouvia bastante o idioma iídiche, por ser o reduto da comunidade judaica transladada do Leste Europeu, que aqui chegara em 1910. Segundo Jacques Ribemboim, judeu e pesquisador dessa temática, os primeiros judeus vieram da Polônia e da Bessarábia ( Moldávia, Ucrânia e Romênia) por causa do pógrous, que seria a perseguição russa às minorias eslavas. A princípio, aqui não seria o destino final, mas um caminho entreposto para a entrada no país. De moradia passageira, passou a ser a nova casa que acolhia os refugiados






No início do século 20, surgem os bondes elétricos, entrevendo futuras transformações nos ares da Boa Vista. Acentua-se a presença marcante da influência francesa em nossas terras, mesclada pela brasilidade de nossos carnavais, que aconteciam, principalmente, no Pátio de Santa Cruz,  em que desfilavam clubes e troças e onde era a sede da festa de rua.


Com o surgimento de cinemas, teatros e do futebol e, posteriormente, do rádio, as pessoas vivenciaram a atmosfera moderna no bairro; o divertimento antes era associado aos festejos do pastoril, segundo Mario Sette, em Maxambombas e Maracatus. No cinema Politeama, ou  Polipulga,  os cidadãos assistiam aos filmes seriados precursores das telenovelas. Às margens do rio Capibaribe, chamada de prainha, se jogava o futebol e nas arquibancadas montadas na rua da Aurora se acompanhavam as regatas entre os principais clubes pernambucanos, entre eles, o Clube de Regatas Náutico Capibaribe .

Regata: arquibancada na Rua da Aurora no livro O Recife e a II Guerra Mundial 


Na rua da Aurora também se encontravam os sobrados do Barão de Beberibe e da Baronesa de Moreno, além da Igreja Anglicana onde atualmente situa-se o cinema São Luís. Além de ser o espaço para a mocidade flertar nas tardes de domingo. No final da década de 30, apenas existia uma única estação de rádio no estado, a PRA-8, que divulgava notícias locais como, por exemplo, a programação do Porto do Recife, relacionada às notícias marítimas e o Boletim de Informações Oficiais, encarregado da divulgação dos atos do governador interventor Agamenon Magalhães. Já o noticiário nacional era transmitido pela Hora do Brasil. Com o início da primeira guerra mundial é transmitida às 21 horas a BBC de Londres, com notícias do campo de batalha, e posteriormente, o Repórter Esso, "a testemunha ocular da história" e "o primeiro a dar as últimas". A partir daí, o bairro cada vez mais vai mudando os antigos hábitos.


Os bondes ingleses da Tramways eram utilizados pela população, mas já existiam problemas como a lotação de passageiros devido à pouca frota desses veículos. Os mais abastados podiam dar-se ao luxo  de ter o novo Chevrollet, o Buik 1940, o ultraeconômico Ford V-8, o Oldsmobile da General Motors, além de outros desejados na época. Já se esqueciam do tempo das carruagens e dos bondes conduzidos por burros que, às vezes, de tão cansados para subir a ponte, deveriam ser trocados por outros que esperavam na esquina para serem alugados.


       

Com a entrada na guerra ao lado dos Aliados, a cultura norteamericana vai adentrando em nosso modo de viver junto com a instalação de suas bases áreas e marítimas na cidade. A mocidade passa a consumir os óculos escuros Ray-ban, os slacks, nova vestimenta que pôs em desuso os brins de caroás e de carrapicho para os mais pobres, e para os abastados a linha diagonal Taylor S-120; cabelos raspados a zero sobre as orelhas e o hobby de andar de jipe. 

Ocorreu uma enxurrada de marcas americanas dentro do mercado brasileiro, como a Coca-cola que veio a disputar a freguesia dos que consumiam os guaranás e gasosas da Fratelli Vita,os cigarros Chesterfield, Lucky Strike, Pall Mall, Camel e Phillips Morris suplantavam os nacionais de mau odor, como os Azas e Yolanda. E o que dizer da música que aqui se escutava e dançava, o swing, o jazz, o jitter-bug e o boogie-woogie. 

Em todas essas épocas, uma coisa em comum transparece na história da Boa Vista antiga:os seus moradores e transeuntes viviam intensamente o bairro, e reconhecem em suas praças e seus sobrados, em suas pontes e seus manguezais, sua própria identidade. Hoje, o que permeia o rio e seus antigos alagados é um olhar efêmero, do passageiro, e um olhar curioso, daqueles que querem redescobrir o bairro.

Saiba mais sobre a comunidade judaica na Boa Vista: 
A Boa Vista Judaica por Wanderley e Júlio Rabelo

Série de reportagens sobre a História da Boa Vista
I- Da lama ao caos
III- A linguagem dos tempos áureos da Boa Vista

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