quarta-feira, 6 de março de 2013

Irmã Belém quer salvar uma alma de cada vez

por Paulo Veras

“Acho que prefiro não sair na foto”, diz a freira antes de fechar a grade da rua e desaparecer lá dentro da casinha humilde, endereço 122 da Rua Joaquim de Brito. O pedido da imagem havia sido feito duas vezes. A fachada da casa, claro, serve para ilustrar a matéria. Mas falta o elemento humano, tão enriquecedor. Falta o sorriso cordial de Irmã Belém.

Fachada da Fraterniade/Foto: Suzana Mateus

Baiana, a religiosa está há quatro anos e três meses na Fraternidade Missionária O Caminho, fundada há seis pelo padre Gilson Sobreiro, que desenvolve trabalhos sociais diversos em quatro países. A casinha da Boa Vista é uma das quatro instalações da fraternidade em Pernambuco. Lá, se desenvolve um trabalho chamado de “Pastoral de Rua”; um atendimento físico e espiritual a moradores de rua da região central da cidade.

Humilde, a irmã senta no chão para explicar melhor o trabalho do grupo. Quem chegar necessitado à porta recebe alimento e um pouco de atenção. Já é muito pra quem não tem nada na vida, sequer um teto. “Se deixar, de madrugada já tem gente aqui batendo na nossa porta em busca de ajuda”, explica. A dedicação é exercida o dia inteiro. Mas ela sabe que é preciso manter um limite na generosidade. “A gente não pode deixar nossa rotina religiosa, nossas orações”, adverte.

Asseada, a casinha remete bem à vida ascética dos franciscanos. As imagens estão cobertas com um pano púrpura por conta da quaresma. Na parede, o retrato do então papa Bento XVI é a única referência ao esplendor da cúria romana. Todo o resto é muito simples e cordato. Pelo menos é o que se vê da primeira salinha; não foi possível adentrar mais. As irmãs não têm financiamento. Se mantém graças à boa vontade de benfeitores que doam dinheiro ou comida. Tudo o que entra é dividido com os pobres.

No cômodo contíguo, vez por outra se nota o pedaço de um rosto curioso. Trata-se de dona Severina, moradora de rua. Chegou no endereço há duas semanas. No momento, é a única 'acolhida' junto às irmãs. O espaço é pequeno e não é possível ter um grande número de visitantes. "Por questão moral", só se aceita mulheres. A dormida segura e quentinha, ainda que temporária, parece auspiciosa.

Às terças e quintas, Irmã Belém e as demais missionárias percorrem as ruas da Boa Vista para distribuir comida e compreensão. No caminho, vão ficando mais próximas daqueles que parecem tão distantes. Conhecem histórias, dão conselhos, evangelizam o contingente de desabrigados que vão encontrando. “Em São Luís, a quantidade de pobres é muito menor que a daqui. No Paraná, quase não se vê”, comenta, com a experiência de quem já passou por quatro estados oferecendo o menor dos prazeres humanos: o conforto.

Às vezes, porém, a vida parece ser mais cruel que o amor ao próximo. Dos desgostos, um em especial parece entristecer a jovem irmã: “São Francisco passou a vida toda combatendo a lepra. A lepra do nosso tempo é a dependência química”. Fala com a experiência de quem conhece de perto o problema do vício. “Eles têm uma liberdade enorme de ser eles mesmos na nossa frente. Então, se eles cheiram cola, eles vão cheirar na nossa frente”, diz.

A dureza do trabalho, por óbvio, não o invalida. “A gente sabe que a gente não pode mudar o mundo todo. Mas mudar a vida de um já vale a pena. Tocar a alma de um já vale a pena”, diz. Movidas pela fé, as irmãs seguem agindo na caridade. “A gente espera uma recompensa que não é dessa terra”, fala, os olhos brilhando. Tanto quanto o trabalho que desenvolvem aqui mesmo nesse mundo-cão.

Leia mais sobre moradores de rua nos textos "O mistério na Avenida Manoel Borba, 709" e "O mistério na Estrada dos Remédios, 2231".

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