quarta-feira, 6 de março de 2013

E o Parque continua fechado

Sem funcionar desde 2010, Cine-Teatro aguarda intervenção do poder público

por Houldine Nascimento e Mário Rolim

Entrada do Parque abandonada / Foto: Caroline Melo

Um dos grandes espaços culturais de Pernambuco, o Cine-Teatro do Parque teve suas atividades suspensas em 2010, 95 anos após sua inauguração. O local, que é administrado pela Prefeitura do Recife, espera por reforma desde a gestão de João da Costa para voltar a funcionar.

É em tom de tristeza que o gerente operacional de audiovisual do Parque, Sérgio Dantas, comenta o assunto. “Primeiro tem que haver a reforma, saber se há recursos disponíveis, como será o processo, e isso está bem acima de mim”, pontua. Sendo assim, ele não tem ideia de quanto tempo duraria a reforma, nem mesmo até quando continuará no cargo, já que a administração do prefeito Geraldo Julio está efetuando troca de pessoal na Secretaria de Cultura.

Dantas chegou ao Parque no final de 2010, e sob sua gestão o cinema funcionou por apenas três meses. Os problemas estruturais atingiram tal ponto que não era mais possível continuar. “Quando eu assumi, o cinema já estava com a estrutura comprometida e o teatro já tinha fechado. Não se podia arriscar a vida das pessoas.”

Apesar das dificuldades, Sérgio guarda boas lembranças da época em que frequentava a sala como espectador. Ele destaca a visita de nomes como João Moreira Salles e Eduardo Coutinho – a quem chama de “maiores documentaristas brasileiros” – para divulgação de filmes em festivais como o Panorama Recife de Documentários.

Outro frequentador do Cinema do Parque, o jornalista Rafael Dias disse: “Lembro de ler a notícia de que o Cinema do Parque tinha a maior média de público do Brasil. Quando lançaram Cidade de Deus, a fila dava volta no quarteirão”, destacou. Além do filme mencionado, outros nacionais como Deus é Brasileiro, Carandiru e Madame Satã levaram, juntos, mais de 80 mil espectadores ao Parque em 2003. Sérgio Dantas deixou claro que, além de sessões como essa, de grande público, “o cinema do Parque sempre foi também um cinema de formação, com as chamadas ‘sessões de arte’ mais tarde”. Com elas, se podia “aperfeiçoar o olhar, ficar mais crítico, ter ideias de estética diferente. Usufruir e ter prazer, claro, mas também percebendo quais são as estéticas existentes e as tendências atuais do cinema”.

Atualmente programador do São Luiz, Geraldo Pinho foi responsável pela programação do Cinema do Parque entre 1993 e 2002. Antes de ele assumir, o Cinema só funcionava nas noites de segunda e terça, com sessões que privilegiavam obras mais autorais. No entanto, o conceito da sala localizada na Rua do Hospício teve de ser modificado. “Num cinema público, você trabalha com a cidade. Tem que haver certa qualidade no que vai mostrar, mas é preciso ser abrangente. Um cinema que funcionava num teatro, o que pra muita gente é coisa de outro mundo. Como quebrar isso? Fazendo um cinema agressivo, que disputasse mercado, com seriedade no funcionamento”, afirma.

Logo a sala ganhou uma sessão à tarde (16h30), e, após um ano de funcionamento, mais um dia de exibição (quarta-feira). Uma ousadia, já que o cinema não tinha ar-condicionado. “O teatro tinha 64 aberturas e tínhamos que fechá-las. Era um calor infernal”. Além disso, os projetores para filmes de 35 mm funcionavam à base de carvão e o sistema de som era igualmente precário. Só em 2000, o cinema passou por reforma. Dois anos mais tarde, Geraldo Pinho foi demitido por divergências com a Prefeitura, que queria usar o espaço para fazer reuniões sistêmicas e cancelar sessões.

Mesmo assim, ele guarda com afeto algumas lembranças daquele tempo, como quando mobilizou os funcionários do próprio cinema a passar três dias construindo uma nova tela, no formato Cinemascope (2.35:1). De acordo com Geraldo, o Cinema também abrigou festivais que focaram em temas como diversidade sexual e cinema iraniano. “Recife conheceu o cinema iraniano através do Parque”, revela.

Uma estória que ele relata entusiasmado é a do lançamento de Carlota Joaquina – Princesa do Brasil, em 1995. O longa tinha estreado no Shopping Guararapes, mas foi rapidamente substituído por um blockbuster hollywoodiano. “Carla [Camurati] preferiu distribuir seu filme debaixo do braço. Eram poucas cópias e, com a saída do Guararapes, a produtora me ligou oferecendo o filme para exibição. Quando disse que o valor do ingresso era um real, ela esperneou, dizendo que aquilo era um absurdo, mas no fim acabou aceitando”, revelou Pinho. Na primeira semana em cartaz no Parque, Carlota Joaquina obteve mais de 5200 espectadores e continuou sendo exibido por várias semanas. O êxito foi tão grande que Camurati veio ao Recife para presenciar a lotação das sessões.

A essa altura, a cidade contava com apenas oito salas, distribuídas entre o São Luiz, Parque, Shopping Recife (três na parte externa), além dos já fechados Veneza, Ribeira e Moderno. Com o passar do tempo, os cinemas de rua entraram em crise e foram perdendo espectadores para a expansão dos “multiplexes” (cinemas de shopping, com várias salas), cada vez mais modernos e luxuosos. O descaso do poder público com o centro do Recife foi outro fator para afastar as pessoas daqueles cinemas. “São poucos os cinemas de rua daqui. Eles foram atingidos pelo abandono que acomete os grandes centros urbanos do Brasil. Insegurança, lixo, calçadas ocupadas, desrespeito, falta de iluminação, ineficiência do transporte, tudo isso afasta as pessoas, e não só dos cinemas. Temos o Museu de Arte Moderna, as igrejas, as pontes, o casario, esse rio [Capibaribe] e as pessoas não vêm para cidade, não olham o centro do Recife, que é bonito, histórico e devia ser nosso orgulho”, pontua Geraldo.

Essa visão é compartilhada por Sérgio Dantas. Para ele, “o bairro da Boa Vista tem tradição boêmia, de comércio e o Teatro do Parque sempre possuiu o papel de aglutinar as pessoas. Como momento de lazer e como formação de cultura. Muita gente aprendeu a gostar de cinema e teatro aqui”.

Sérgio crê que o cinema e o teatro permanecerão lá, mas não sabe quando a população poderá frequentá-los novamente. “André Brasileiro (ex-presidente da Fundação de Cultura do Recife) falou pra Rede Globo que a previsão seria para o primeiro semestre deste ano, mas sabemos que não é exatamente assim”. Segundo Dantas, para adequar o cinema às novas exigências do mercado é preciso providenciar um projetor digital, além de reformas estruturais que envolvam um novo sistema de som e refrigeração. Um técnico especializado de Minas Gerais foi até o Parque e mediu distância, acústica, espaço e outros detalhes para organizar termos de referência. “A partir disso se pode fazer uma licitação para a compra dos produtos. Só falta o investimento”, encerra.

Buraco deixado pela última reforma / Foto: Houldine Nascimento

Conforme informações da Assessoria de Imprensa da Secretaria de Cultura, o Teatro do Parque é “uma das prioridades da gestão de Geraldo Julio”. Para a reforma começar, é necessário a criação de edital. Há um grupo trabalhando no pré-projeto. Além disso, uma nova visita técnica será feita. Ainda em março, o presidente da Fundação, Roberto Lessa, se reunirá com o presidente da Empresa de Urbanização do Recife (URB), Antônio Dourado, para traçar diretrizes. 

3 comentários:

1. “Quando eu assumi, o cinema já estava com a estrutura comprometida e o teatro já tinha fechado. Não se podia arriscar a vida das pessoas”. - Quando nada mais será dito após as aspas e o período inteiro é o que está sendo citado, o ponto fica antes da aspa que fecha. Assim: "Blablabla."

2. "Antes dele assumir". Antes de infinitivo, não há contração da preposição DE e do pronome. Fica, portanto: antes DE ELE assumir.

3. "Num cinema público você trabalha com a cidade." Colocar vírgula depois de "cinema". (Explicação: deslocamento do termo na oração - a ordem direta seria "você trabalha com a cidade num cinema público".) Mesmo caso em "Só em 2000 o cinema passou...".

4. "Eram poucas cópias e com a saída do Guararapes, a produtora me ligou oferecendo o filme para exibição." Vírgula depois do "e" (explicação: oração intercalada no meio de outra).

5. Gostei bastante do texto, só senti falta de um posicionamento da Prefeitura atual. Ela tá sempre sendo citada pelos personagens, mas não se posicionou diretamente. Acho válido vocês procurarem a Secretaria de Cultura ou algo do tipo. Se precisarem de ajuda, podem me procurar!

Fiz as modificações sugeridas. Sobre o posicionamento da Prefeitura: nós já estávamos à procura de representantes da Secretaria de Cultura do Recife. Até a próxima semana, devemos ter alguma posição.

Atenciosamente,
Houldine

Bilinha,

Ontem (18), adicionei à matéria algumas informações passadas pelo assessor de Imprensa da Secretaria de Cultura do Recife.

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