Estabelecimentos
já foram o ponto de encontro da sociedade pernambucana, mas, hoje, objetos antigos
convivem apenas com hóspedes apressados
Por Marina Barbosa
Arquitetura e objetos antigos são a marca do Hotel Central / Foto: Marina Barbosa |
Na
esquina da Rua Gervásio Pires com a Manoel Borba, o Hotel Central é um símbolo
dos tempos áureos do centro do Recife. Na época em que o Bairro da Boa Vista
era o foco da vida social da cidade, o salão do estabelecimento era o ponto de
encontro da sociedade pernambucana e seus quartos recebiam hóspedes de renome
nacional. Hoje, o prédio continua imponente, mas por lá não passam mais nomes
como Getúlio Vargas e Carmem Miranda. São Joões, Marias e Fernandos que ficam
alguns dias e logo voltam para suas casas, deixando as camas do local nas mãos
de outros visitantes.
São
hóspedes que buscam simplicidade e boa localização. A maior parte vem ao Recife
a trabalho ou estudos e fica pouco tempo no estabelecimento. Mas por lá também
passam turistas que admiram o requinte dos móveis e da arquitetura antiga. “Esse
hotel tem um encanto especial, podemos perceber que foi um lugar importante e elegante.
Vejo esses objetos e fico imaginando como era há alguns anos atrás”, revela o
espanhol Inacio Cerezo, de 45 anos. Esta é a terceira vez que ele vem ao Recife
e a primeira que se hospeda no Hotel Central. “Estou gostando. Admiro o clima
antigo, mas acho que também poderíamos dispor de alguns itens mais modernos,
como conexão Wi-fi e frigobar nos quartos”, diz.
O
Central foi o primeiro hotel do Recife. O prédio de oito andares, erguido em
1927, inaugurou a verticalização da cidade. Sob a responsabilidade da família
de seu Domingos Magalhães, o hotel foi inaugurado em 1931. Além do restaurante
e dos quartos com vista panorâmica, uma das atrações era o elevador de manivela
– importado dos Estados Unidos e o primeiro do Recife. Hoje, o prédio é tombado
pela Prefeitura e pertence ao neto de seu Domingos, Kerginaldo Magalhães.
Elevador de manivela e máquina registradora são algumas das atrações do Central / Foto: Marina Barbosa |
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daquela época de glamour ainda estão por lá e surpreendem os hóspedes, como o
elevador de manivela, uma máquina registradora, um rádio de pilha e uma central
telefônica que funcionou até três anos atrás. “Estamos melhorando nossos
serviços para deixar nossos clientes mais confortáveis, mas esses objetos
também fazem parte do hotel”, diz a funcionária mais antiga do Central, Joana
Melo, que segue contando como os equipamentos funcionavam. Além disso, o prédio
dispõe de móveis e portas de madeiras nobres, pias da Alemanha e azulejos
portugueses. Sem falar nos quartos com banheiros coletivos e hóspedes que moram
ali, como acontecia nas pousadas de antigamente.
Tudo
isso, porém, não é exclusividade do Central. Andar pelo bairro é se deparar com
diversos hotéis e pousadas que conservam artigos de um passado luxuoso e hoje
são motivo de curiosidade e admiração. Grandes como o Central ou pequeno como o
Hotel das Fronteiras, esses locais não têm mais o glamour de décadas atrás, mas
nem por isso são estabelecimentos fantasmas. Passar 10 minutos na recepção do
Hotel América, por exemplo, já foi suficiente para cruzar com 4 hóspedes
diferentes. E os proprietários garantem que isso não é raridade, “nunca dormimos
com todos os quartos vazios”, afirma a recepcionista do estabelecimento, Luci
Costa.
“Nosso
público é bem variado e o hotel é sempre movimentado. Temos 46 quartos e nossa
taxa de ocupação varia entre 60% e 70%”, conta Dona Luci. Ela trabalha há 30
anos no hotel, na Praça Maciel Pinheiro, e conta que já não sabe viver fora dali.
“Há 10 anos não tiro férias. Gosto de conversar com os clientes e já fiz muitos
amigos nesses anos de trabalho.” Seu Jesuíno Ferreira é um desses hóspedes de
longa data. Com 59 anos, ele mora em Maceió e sempre que vem ao Recife fica no
América. “Gosto muito dessa cidade, esta já é a quinta vez que venho passear
aqui neste ano. Sempre me hospedo no América, que é central, tem um bom
tratamento e funcionários legais. Não vou falar mais nada porque estou na
frente da ‘dona’ disso aqui”, brinca olhando para Dona Luci.
Hotel América dispõe de estrutura simples, mas mantém boa ocupação / Foto: Marina Barbosa |
O
América fica perto do Central, mas não tem a sua imponência. É um prédio cor de salmão, pequeno, de 6 andares, com uma porta do lado e uma plaquinha com o nome "hotel", que pode passar despercebida por quem cruza a praça com passos rápidos. E
diversos são esses pequenos estabelecimentos que abrigam comerciantes,
estudantes e turistas no centro da cidade: Hotel das Fronteiras, Henrique Dias,
Lido Hotel, Villa Boa Vista e tantos outros. “Moro em Caruaru e vou passar
apenas três dias no Recife. Vim só participar de uma reunião de trabalho, por
isso escolhi um hotel simples e central”, conta o professor Francisco José da
Silva, que está no América.
Dona
Luci conta que sempre recebe pessoas que vêm a trabalho e estudo, que se
hospedam por poucos dias. “Nossa movimentação é maior durante a semana, por
causa dessas pessoas. Em época de vestibular, por exemplo, ficamos sempre
lotados”. Esse também é o público principal de outros hotéis do bairro da Boa
Vista. O analista de seguros sociais Jesuíno Ferreira, por exemplo, veio ao
Recife para fazer um concurso e se hospedou no Central. “Foi a opção mais
próxima do meu local de prova”, diz. A supervisora de andares do estabelecimento,
Joana Melo, concorda com Dona Luci, mas diz que também recebe muitos turistas.
“Temos até funcionários que falam outros idiomas para lidar com esse público.
No Carnaval mesmo não sobrou nenhum quarto.”
Recife Plaza modernizou acomodações mas preserva funcionários antigos / Foto: Marina Barbosa |
Na
Rua da Aurora, o Recife Plaza Hotel é outro estabelecimento que aposta na
modernidade para atrair público diversificado. O prédio dispõe de sala de
reuniões e eventos, restaurante e suítes com banheiro de mármore, Wi-fi e TV a
cabo. “Trabalho aqui há 22 anos e vi o hotel crescer. Sempre fomos bem
avaliados e recebemos figuras importantes, além de hóspedes antigos que já
viraram amigos”, diz o mensageiro Lenildo Lemos, que admite gostar de conversar
com os clientes. Muitos empresários também se hospedam ali. "Hoje a maior parte do nosso público é comercial, e muitos encontros de trabalho são realizados aqui mesmo", diz o recepcionista Dimas Barbosa, que trabalha há 28 anos no hotel.
Seu
Lenildo lembra que nos anos de trabalho no Recife Plaza Hotel também já cruzou
com diversas personalidades. “Muita gente importante passou por aqui. Já vi
Lula, Aguinaldo Timóteo, Raí e Carlinhos de Jesus. Gugu também se hospedou
aqui, ele veio disfarçado, cheio de seguranças. Mas no quarto vi que era ele e
tirei até foto”, conta o funcionário sorrindo. Assim como nos outros hotéis, o
Recife Plaza possui diversas opções de suítes e preços, para atender a todos os
gostos e bolsos. Mas sua maior atração fica mesmo na vista privilegiada para o
Rio Capibaribe e suas pontes, que, assim como a arquitetura antiga do Hotel
Central, evoca os tempos áureos do bairro da Boa Vista.
8 comentários:
Boa abertura. Simples, mas informativa e que desperta o interesse de leitura.
"um rádio de pilha" (deixar claro a idade da peça, já que existem rádios de pilha contemporâneos)
na Praça Maciel Pinheiro (,)
É um prédio de cor salmão, pequeno, de 6 andares, com uma porta do lado e uma plaquinha com o nome "hotel", que pode passar despercebida por quem cruza a praça com passos rápidos.
"Hoje a maior parte do nosso público é comercial, e muitos encontros de trabalho são realizados aqui mesmo" (,) diz o recepcionista Dimas Barbosa, que trabalha há 28 anos (no hotel). (no prédio da rua da Aurora.) > dispensável, já foi dito no começo do parágrafo.
Muitos personagens, boas descrições de ambiente.
1. "...da sociedade pernambucana, mas, hoje, objetos antigos..." - Vírgulas.
2. "...vista privilegiada para o Rio Capibaribe e suas pontes, que, assim como a arquitetura antiga do Hotel Central, evoca os tempos áureos do bairro da Boa Vista." - Vírgulas.
3. Excelente texto!
Apenas uma correção: o hotel central não foi o primeiro do Recife. Antes dele foi inaugurado em 1915 o hotel do parque, na Rua do Hospício. Sendo inaugurado em 1927, o hotel central é o mais antigo ainda em atividade.
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