por Thiago Moreira
Quem caminha todos os dias pelas calçadas da avenida Conde da Boa Vista, uma das mais movimentadas do centro do Recife, já deve ter percebido uma profusão de comerciantes usando da lábia para conseguir chamar a atenção dos transeuntes para venderem suas mercadorias. Mais ainda, o que chama a atenção dos que circulam pela cidade não é o brilho das bijuterias baratas, mas sim o sotaque diferente, por vezes estranho, destes mascates. Que o Recife, mais precisamente o bairro da Boa Vista, é notório por acolher pessoas de diversas nacionalidades, isso não é novidade. Muitos desses novos habitués vieram do Senegal, mais precisamente da capital Dakar, como é o caso de Elhadj, de 28 anos.
Há pouco mais de dois meses no estado, o senegalês aponta a realidade difícil em seu país de origem como um dos motivos que o trouxeram para cá. Entre um e outro interessado nas pedras e no metal expostos em sua bancada, Elhadj parou para conversar conosco e nos falar um breve histórico de sua vida. O principal entrave, no entanto, foi a língua. Esbarrando no inglês, e com um maior domínio de francês e do dialeto wolof - as duas línguas oficiais do país -, o comerciante informal ainda demonstra estar bastante perdido com a rotina recifense, apesar de destacar ter passado por boas experiências desde que chegou. Quando perguntado sobre as dificuldades que tem passado aqui, responde de forma bastante categórica. "Quando se tem dinheiro, não existe dificuldade", afirma. Atualmente residente na Boa Vista, deixou família e amigos no Senegal, mas ainda não tem ideia de quando pretende voltar para sua terra natal. "Só Deus sabe", complementa.
Mais desenvolto no português, e esbanjando simpatia para com os clientes, Amadou, de 28 anos, já está mais habituado com o modus operandi brasileiro. No Recife há pouco mais de três meses, e também vindo de Dakar, o africano também passou por São Paulo, onde ficou aproximadamente um ano. Abandonou a profissão de auxiliar de serviços gerais na sua terra natal, e veio dedicar-se ao comércio informal. "A Europa não é mais uma opção favorável para os imigrantes", lamenta Amadou, que tomou conhecimento do nosso país durante a última edição da Copa do Mundo de Futebol, realizada na África do Sul, em 2010. "Gostei muito daqui, pois o bairro é acolhedor com os africanos. O calor humano de vocês é uma característica muito boa", complementa.
Alguns dos produtos vendidos pelo senegalês Amadou, de 28 anos. (Foto: Suzana Mateus) |
A palavra de ordem para estes comerciantes é o respeito. Por mais que vendam produtos semelhantes, nenhum deles ousa invadir o espaço do outro, nem roubar a clientela. Mas nem por isso os laços se desfazem. Não é incomum encontrar pelo menos uma dezena destes ambulantes em toda a extensão da avenida. Os lojistas daqui, por sua vez, acabam colaborando com o trabalho deles, tornando a sua adaptação por aqui um pouco mais fácil. Tarefas como passar o troco, dar dicas sobre alguma palavra em português, além de indicar os melhores locais para se comer são feitas de bom grado pelos nativos.
Não são poucas as semelhanças entre o Recife e Dakar, atualmente consideradas "cidades-irmãs", graças a um acordo feito entre as representações das duas capitais, realizado em novembro do ano passado. Para o cônsul do Senegal no Recife, Ênio Castellar, o principal objetivo é fortalecer a troca de experiências entre as duas metrópoles. "Recife e Dakar possuem diversas similaridades, tanto na cultura, como na gastronomia, e que compartilham problemas, como a mobilidade urbana", explica Castellar, que ainda afirma que o interesse do Senegal em estreitar laços com nosso país é tão grande, que o português pode vir a tornar-se idioma oficial da nação africana.
Mulungu: condições de trabalho e políticas de acolhimento para os senegaleses são fundamentais (Foto: Ursula Neumann) |
Leia mais sobre os comerciantes senegaleses na matéria de Amanda Melo e Renata Santos.
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