terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Uma drag queen na Boa Vista


Melissa Ubber utiliza o bairro para trabalhar, estudar, se divertir e ser abrigada 


por Stamberg Júnior


Melissa Ubber. Crédito: Arquivo Pessoal
Melissa Ubber tinha acabado de sair da boate em um bairro na capital paulista. Estava do lado de várias amigas. Todas estavam vestidas para matar: lindos cabelos grandes, vestidos curtos, saltos altos, maquiagem forte, pesada e alegre.  Depois de uma noite maravilhosa, as amigas saíram do clube e começaram a conversar ali na frente mesmo. Falavam sobre suas vidas, sobre suas transformações, sobre como seria dolorido se despir dos pés a cabeça depois de tanto sacrifício para que ficassem ‘montadas’. Enquanto falavam, uma moto se aproximou. Sob ela, um homem. Ele para perto das moças e começa a cobrar dinheiro a uma delas, Andressa (nome fictício). Ela responde que não tem no momento, mas que vai conseguir ainda naquele dia, que vai pagar ‘as paradas’ que havia comprado. O motoqueiro já está cansado dessa história, ele quer o dinheiro a todo custo. Ela retruca. Ele saca uma faca do bolso e com apenas um golpe rasga o pescoço de Andressa, a menina que se sente do gênero feminino desde criança cujo nome biológico é André. A garota/garoto morre na mesma hora.

Melissa diz isso chocada: “Ninguém fez nada! Todos viram, ninguém fez nada!”, relembra com ar triste. Melissa é na verdade Alexandre. Um jovem de 20 anos que se considera um artista e que passou por essas e outras, cujo mundo onde vive lhe proporcionou. Durante o dia, ele é um rapaz. À noite, uma moça. E assim se sente: um comum de dois. Alexandre Santos trabalha como cabeleireiro e maquiador na Boa Vista fazendo serviços temporários de salão de beleza no local, quando a clientela fixa do rapaz o chama, geralmente de dia. Sua relação com o bairro, no entanto, não termina aí. Quando anoitece, no final de semana,  o jovem se monta e deixa de ser um menino. Quem domina então é Melissa,  drag queen que trabalha na boate Meu Kaso Bar (MKB) como recepcionista e de vez em quando se apresenta dublando alguém. "Já cheguei até a dublar uma música de travesti (como é chamada informalmente o ritmo Tribal, ou House), vestida de Marilyn Monroe", conta. 


Alexandre Santos. Foto: Arquivo  Pessoal
Quando em cima do palco, Melissa esquece do mundo. "Danço, canto, bato cabelo: no palco me sinto livre".  Mas para ser quem é, Melissa sofre: gastos com maquiagens importadas que se quebram, perucas coladas na cabeça de modo que quando se tira sangra, cílios postiços que ficam presos nos olhos e não soltam mais...um sofrimento, que segundo ela vale a pena. "No final das contas fico uma diva. Não penso em ser igual a uma mulher, muitas drags tem inveja delas. Eu não. Eu as admiro" relata o artista que diz se sentir seguro quando está na Boa Vista para ser quem quer que seja: Alexandre ou Melissa.

De fato o bairro é um reduto para a diversidade e liberdade sexual. Mesmo sabendo que tudo não é mil maravilhas, muitos gays, lésbicas, travestis, transexuais, transgêneros e drags utilizam o bairro como refúgio. Eles se reúnem em boates, bares e espaços públicos simplesmente por assimilação, por entenderem que aquele lugar é acolhedor para o gueto. Alexandre reconhece isso e deixa bem claro que a Boa Vista é sua paixão: "Não tenho vergonha de andar neste bairro como Melissa", completa a drag queen que utiliza o bairro não apenas para trabalho, lazer e diversão mas também  para estudar. "Sei que é muito difícil para alguém como eu arranjar emprego. Por isso estou estudando, faço curso técnico de administração em uma escola no bairro da Boa Vista. Quero ser alguém na vida, quero ser feliz" completa Alexandre. 

A felicidade do artista, no entanto, é algo que mesmo mencionando, ele próprio não acredita. Isso porque, para ele (que além de ser drag queen é homossexual), os gays não podem ser felizes. "Os homossexuais podem até ser alegres e divertidos mas nunca serão felizes." diz o artista que parece não se aceitar, nem querer e auto-afirmar. Sobre isso prefere não falar muito, tem medo de expor seu sentimentos.


3 comentários:

Marina Didier: Fui na Boa Vista hoje para fazer uma entrevista agendada com uma moradora do bairro. A conversa foi produtiva, pois percebi que poderiam surgir outras matérias da área que visitei. Fotografei o bairro à noite e pretendo voltar outro dia para tirar fotos pela manhã.

"... que chamaremos aqui de Andressa." - Nunca li algo do tipo em textos que se pretendem mais informativos que literários. Sugiro trocar por: "(nome fictício)" ou explicar que a pessoa não quis se identificar.

"Ele saca uma faca do bolso e com apenas um golpe rasga o pescoço de Andressa, de André." - Ficou confuso. Deixar mais claro que Andressa é, na verdade, André, como foi feito depois a respeito de Melissa. Melhor fazer isso com o personagem que aparece primeiro, é mais fácil de entender a simplificação se a referência já foi feita antes.

Separa os parágrafos direitinho. Imagino que "Melissa diz isso chocada: ..." é um parágrafo diferente do anterior, né? É importante fazer isso para o leitor perceber que há uma quebra no fluxo da narração.

Presta atenção para amarrar o episódio contado no início do texto ao que vem depois. Sei que não tá terminado ainda, mas, por enquanto, não parece haver relação entre os dois primeiros parágrafos e o último.



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